E perguntou-lhe: -Qual é o seu nome?
-Meu nome é Legião, porque somos muitos – respondeu-lhe.
Marcus 5:9
ENQUANTO ESTA reportagem é escrita, desenrola -se
no estado de São Paulo um ambicioso plano liderado pela cúpula do Primeiro
Comando da Capital (PCC), com objetivo de resgatar seu líder máximo, Marcos
Willians Herbas Camacho, o Marcola, da Penitenciária II de Presidente Venceslau,
distante 600 quilômetros da capital paulista.
Relatório do setor de inteligência do Grupo de Ação
Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São
Paulo, ao qual Carta-Capital teve acesso, mostra a arquitetura do plano e a audácia
dos criminosos. Dois integrantes do PCC fizeram treinamento de pilotagem de
helicópteros, vários sobrevoos já foram realizados para avaliar os detalhes da
tomada do assalto da penitenciária, um imóvel foi alugado na cidade vizinha
de Porto Rico (PR) para servir como base de apoio à operação e uma pista de pouso
foi mapeada para que um avião vindo do Paraguaia possa aterrissar.
A operação de resgate teria seu start com a visita
de um advogado do grupo ao PII. Informados, Marcola e dois companheiros
aproveitariam o alvoroço causado pela ordem de uma rebelião para serrar as
grades de suas celas e caminhar ate o pátio do presídio, de onde seriam içados
por um dos helicópteros. Já resgatado, Marcola seria levado até o aeroporto de
Loanda (PR) e de lá, partiria em um avião Cessna Aircraft modelo 510, pilotado
por um integrante da facção, para o Paraguai.
Esta não é a primeira afrontado PCC às forças de
segurança de São Paulo. O grupo criminoso já matou um juiz, diretores de
penitenciárias, inimigos, ameaçou assassinar o governador Geraldo Alckmin e
promete parar a Copa do Mundo, caso seus líderes sejam enviados ao Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD). Mais que expor o poderio e a coragem da facção, o plano
de fuga suscita questionamentos sobre como o PCC deixou de ser uma gangue de
presídio para, em menos de 20 anos, tornar-se uma organização criminosa pré-máfia.
Retorna ao debate também, assim como em 2001 durante a megarrebelião e, em
2006, por conta dos ataques que pararam a capital paulista e diversas cidades
do estado, o papel de Marcola, líder máximo do PCC.
Como um detento conseguiu criar um modelo de
gestão/ideológica do crime organizado capaz de unir a massa carcerária paulista
em torno do lema "Paz, Justiça, Liberdade e Igualdade" e regular as
relações sociais dentro dos presídios enquanto lucra milhões com o tráfico de
drogas? E vai além, porque a expansão exponencial para outros estados do país
leva um promotor, que há quase dez anos investiga o PCC, a cravar: "A
tendência é acontecer o que aconteceu em São Paulo, uma hegemonia da facção em
todos os estados da nação".
Até aqui, a história do PCC divide-se em três
momentos. o primeiro começa cm 1993. No presídio de Taubaté, interior de São
Paulo, dá-se a criação do bando cm resposta às péssimas condições do sistema
penitenciário paulista e aos excessos de violência praticados pelas forças de
segurança contra detentos.
Nesse período, a organização criminosa foi gerida
por um modelo piramidal, no qual José Márcio Felício, o Geleião, e César
Augusto Roriz, o Cesinha, centralizavam todas as decisões e exerciam o cargo
de "generais". No fim de 2002, o descontentamento dos integrantes da
facção com as regalias e o excesso de violência dos "generais",
catalisado pela briga entre as mulheres dos dois líderes (e que resultou no
assassinato da então esposa de Camacho, a advogada Ana Maria Olivatto), alçou
Marcola ao poder.
Nesse momento, teve início a segunda fase do
desenvolvimento do grupo, marcada pelo início da implementação do sistema
empresarial na organização criminosa, mas ainda de crescimento lento, devido
aos ajustes no poder. Foi nesse período que Marcola descentralizou o comando,
ao indicar apadrinhados para a formação da Sintonia Final Geral, a cúpula do
PCC. Essa fase termina com os ataques de 2006.
Em maio daquele ano eleitoral, a cúpula da
Segurança de São Paulo, informada sobre possíveis rebeliões e receosa do impacto
delas na campanha do presidenciável GeraIdo Alckmin, decidiu recolher todas as
lideranças do PCC em um só presídio, em Presidente Venceslau. Em um só dia foram
transferidos 765 presos. Além de de acabar com todas as investigações em
andamento, uma vez que retirou todos os alvos de seu locais e cortou o
acompanhamento de comunicação feito pelas polícias Civil e Militar, Ministério
Público e Policia Federal, a medida fez com que toda a cúpula fosse reunida no
PII.
O objetivo
das transferências, a quebra do comando e da articulação da facção, só seria
pleno se, transferidos, os líderes fossem isolados e impossibilitados do
acesso aos celulares. O que se viu foi o contrário. Com medo das proporções
alcançadas pelos ataques e rebeliões, o governo mandou uma comitiva para a PII,
acompanhada de uma advogada da organização, para pedir que Marcola enviasse um sinal
aos seus seguidores, pedindo o fim dos ataques. Marcola diz não ter passado o
sinal, mas confirma a indicação de outro integrante para executar a missão.
Executada, acabaram-se os ataques e os líderes
acomodaram-se na nova casa, sem punições ou sanções que pudessem mantê-los
longe do comando da facção por muito tempo. Desse modo, o que restou à cúpula
do PCC foi, de posse de celulares e na companhia dos "irmãos" da
cúpula, traçar o plano de ação destinado a expandir os limites do grupo.
Dados do setor de inteligência do Ministério
Público de São Paulo, primeira e única instituição a coloca no papel o tamanho,
o modelo organizacional, métodos e números sobre o PCC, apontam para um
resultado desastroso. Entre 2006 e 2010, o PCC consolidou-se e expandiu-se
consideravelmente. Em São Paulo, de todas as 152 unidades prisionais, 137, ou
"90% delas, foram dominadas pelos 6
mil membros da facção presos.
Do lado de fora outros 1,8 mil integrantes começaram apagar 650 reais como mensalidade e
a comprar rifas de carros, apartamentos e casas. Somente com essa renda, 2
milhões de reais entraram nos cofres da organização criminosa mensalmente.
A fonte principal de arrecadação da facção é o
tráfico de drogas. Segundo o Ministério Público, mesmo após três anos de
combate à organização e denúncia contra 175 integrantes, ela continua a se
expandir, aumentando o volume de faturamento e, hoje, lucra o dobro dos 8
milhões arrecadados por mês, enquanto era acompanhada pelos promotores, entre
2010 e 2013.
O lucro, de causar inveja aos grandes empresários
paulistas, é resultado de uma gestão hierarquizada e extremamente organizada,
subdividida em setores, chamados de Sintonia. Em última instância, encontra-se
a SINTONIA.
GLOSSÁRIO DO PCC [Modelo Operacional da facção]
SINTONIA
FINAL GERAL - Cúpula da facção composta do líder máximo e sete apadrinhados.
SINTONIA
GERAL DE RUA - Integrantes selecionados pela cúpula e que exercem o papel
de liderança máxima fora do sistema penitenciário.
SINTONIA DOS
GRAVATAS - Setor responsável por contratar advogados.
SINTONIA DO
FINANCEIRO - Setor onde são colocados integrantes de alta confiança, responsáveis
por administrar e controlar as finanças.
SINTONIA DA
AJUDA – Setor responsável por fornecer apoio financeiro aos integrantes
presos ou em dificuldades e a familiares de integrantes que perderam a vida em
decorrência da participação em "missões" ou atividades ilícitas por
ordem da cúpula.
SINTONIA DOS
ÔNIBUS - Setor responsável por alugar, fretar ou comprar ônibus para
transporte dos familiares até os presídios.
SINTONIA DOS
CIGARROS - Setor responsável pela compra de cigarros de outros países a
revenda dentro das prisões.
SINTONIA DOS
PÉS DE BORRACHA - Setor que controla os veículos adquiridos e pertencentes
à facção, utilizados nas diversas práticas criminosas.
SINTONIA
GERAL DO SISTEMA - Administra e organiza os integrantes presos
SINTONIA
GERAL DO INTERIOR - Organiza e difunde a facção nas cidades e regiões do
interior de São Paulo. Divide-se em áreas correspondentes aos DDDs de
telefonia: Regiões 012, 014, 015, 016, 017, 018 e 019.
SINTONIA
GERAL DOS OUTROS ESTADOS - Organiza e difunde a facção fora de São Paulo.
SINTONIA
GERAL DOS OUTROS PAÍSES - Organiza e difunde a facção nas nações vizinhas,
principalmente Paraguai e Bolívia, importantes fornecedores de drogas.
SINTONIA
GERAL DA RUA - Com o objetivo de organizar e definir esferas de atribuições
de todo o contingente em liberdade cm São Paulo.
SINTONIA
GERAL - Criminoso ou grupo selecionado em um conjunto de bairros ou cidades
vizinhas. Corresponde à segunda instância na tomada de decisões.
SINTONIA
FINAL - Criminoso ou grupo selecionado em uma região (a capital e o
interior formam sete regiões). Corresponde a terceira instância na tomada de
decisões. Os Sintonias Finais devem reportar-se diretamente a cúpula, também
denominada Sintonia Final da Final.
PROGRESSO
- Tráfico de drogas, principal fonte de ronda.
PROGRESSO FM
- Pontos de venda de drogas. Também chamados de "biqueiras" ou
"lojas".
PROGRESSO
100% INTERNO - Setor que arrecada dinheiro com o tráfico de drogas
comercializadas no interior das prisões.
DISCIPLINA
- Criminoso ou grupo selecionado em um bairro ou cidade, com o objetivo de
disseminar a ideologia Correspondo à primeira instância na tomada de decisões.
CEBOLA
(CAIXINHA MENSAL) - Setor responsável por arrecadar a mensalidade dos
integrantes do PCC soltos. Valor atual: R$ 650,00
BATE-BOLA
– Método de comunicação entre integrantes presos e membros na rua. Normalmente
são utilizados visitas ou advogados.
SALVE – Método
utilizado para se comunicar com toda a facção. Apenas os líderes o usam e,
quando disseminados, devem ser cumpridos à risca.
RIFA - Cada
integrante do PCC tem o dever de comprar 20 números de rifa, ao custo de 30
reais cada número, além da mensalidade (cebola). Sorteiam se carros, apartamentos
e casas.
MINERAL –
Significa 1 milhão de Reais em espécie, armazenado sob os cuidados de um
integrante de confiança da cúpula. Geralmente é enterrado e somente quem o
enterrou sabe sua localização.
A reportagem completa - de Fábio Serapião -
foi publicada na revista Carta Capital, de 5 de Março deste ano.