quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O futuro do PT, por Lucia Hippolito


O PT nasceu de cesariana, há 29 anos. O pai foi o movimento sindical, e a mãe, a Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base. Os orgulhosos padrinhos foram, primeiro, o general Golbery do Couto e Silva [1], que viu dar certo seu projeto de dividir a oposição brasileira. 
Da árvore frondosa do MDB nasceram o PMDB, o PDT, o PTB e o PT... Foi um dos únicos projetos bem sucedidos do desastrado estrategista que foi o general Golbery. Outros orgulhosos padrinhos foram os intelectuais, basicamente paulistas e cariocas, felizes de poder participar do crescimento e um partido puro, nascido na mais nobre das classes sociais, segundo eles: o proletariado. 

O PT cresceu como criança mimada, manhosa, voluntariosa e birrenta. Não gostava do capitalismo, preferia o socialismo. Era revolucionário. Dizia que não queria chegar ao poder, mas denunciar os erros das elites brasileiras. O PT lançava e elegia candidatos, mas não "dançava conforme a música". Não fazia acordos, não participava de coalizões, não gostava de alianças. Era uma gente pura, ética, que não se misturava com picaretas. 

O PT entrou na juventude como muitos outros jovens: mimado, chato e brigando com o  mundo adulto. Mas nos estados, o partido começava a ganhar prefeituras e governos, fruto de alianças, conversas e conchavos. E assim os petistas passaram a se relacionar com empresários, empreiteiros, banqueiros. Tudo muito chique, conforme o figurino. 

E em 2002 o PT ingressou finalmente na maioridade. Ganhou a presidência da República. Para isso, teve que se livrar de antigos companheiros, amizades problemáticas. Teve que abrir mão de convicções, amigos de fé, irmãos camaradas. 

l A primeira desilusão se deu entre intelectuais. Gente da mais alta estirpe, como Francisco de Oliveira, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho se afastou do partido, seguida de um
grupo liderado por Plinio de Arruda Sampaio Junior.
l Em seguida, foi a vez da esquerda. A expulsão de Heloisa Helena em 2004 levou junto Luciana Genro e Chico Alencar, entre outros, que fundaram o PSOL. Os militantes ligados a Igreja Católica também começaram a se afastar, primeiro aqueles ligados ao deputado Chico Alencar, em seguida, Frei Betto. E agora, bem mais recentemente, o senador Flávio Arns, de fortíssimas ligações familiares com a Igreja Católica.
l Os ambientalistas, por sua vez, começam a se retirar a partir do desligamento da senadora Marina Silva do partido. (em 19-08-2009) 

Afinal, quem do grupo fundador ficará no PT? Os sindicalistas. Por isso é que se diz que o PT está cada vez mais parecido com o velho PTB de antes de 64. Controlado pelos pelegos, todos aboletados nos ministérios, nas diretorias e nos conselhos das estatais, sempre nas proximidades do presidente da República. 

Recebendo polpudos salários, mantendo relações delicadas com o empresariado. Cavando benefícios para os seus. Aliando-se ao coronelismo mais arcaico, o novo PT não vai desaparecer, porque está fortemente enraizado na administração pública dos estados e municípios. Além do governo federal, naturalmente. É o triunfo da pelegada. Por Lucia Hippolito - enviado por Samuca Mac Dowell – Clique aqui e confira

Nota de rodapé: Esta crônica foi escrita em Agosto de 2009, mas nunca esteve tão atualizada como agora.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Revista francesa detona a Copa no Brasil

Desta vez é verdade. Um mês depois da polêmica gerada por um texto falso atribuído à revista France Football que criticava fortemente a organização da Copa do Mundo no Brasil, o site da revista esportiva francesa "So Foot" publicou uma extensa reportagem sobre a preparação do Brasil para o Mundial. O texto, carregado de sarcasmo e humor ácido, mostra a que veio já no título: "Viva a Bagunça Brasileira!" (Vive Le Bordel Brésilien!). Em francês, a palavra bordel serve tanto para designar casas de prostituição quanto uma grande bagunça.

A reportagem divide as cidades-sede em três grupos: as que realmente deveriam estar sediando a Copa e que valem a viagem, mas que nem por isso estão livres de problemas (Les villes où ça devrait le faire), as sedes em que inevitavelmente a Copa será uma bagunça ("Les villes dans lesquelles ce sera forcément le bordel"), e aquelas onde o melhor mesmo é deixar para ver os jogos pela televisão ("Les villes dans lesquelles on verra peut-être un match, mais à la télé de préférence").

No primeiro grupo, estão Fortaleza, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. Nessas cidades, a revista identifica problemas menores, como problemas de conexão com a internet e falhas nos telões no estádio do Beira-Rio, na capital gaúcha. Já sobre Brasília, a reportagem destaca o alto custo de construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, em uma cidade que não possui clubes de expressão no cenário nacional.

Já no segundo grupo, o da bagunça inevitável, estão São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Natal. O Aeroporto do Galeão (RJ) é descrito como "indigno de uma capital turística": "Edifícios degradados, pistas saturadas nas altas estações e paralisação das atividades em cada chuva forte prometem grandes doses de diversão", ironiza a publicação.

Sobre São Paulo, a reportagem afirma ser a cidade "irmã da Cidade do México e prima do Cairo (capital do Egito)", centros urbanos conhecidos mundialmente pelo trânsito caótico. Já Salvador teria um trânsito difícil na hora do rush. "Considerando que o estádio [Arena Fonte Nova] fica em uma região central da cidade, vai haver sofrimento".

Finalmente, no grupo das cidades em que seria melhor ver os jogos pela TV, estão Cuiabá, Manaus e Curitiba. O aeroporto da capital mato-grossense é descrito como "um campo de barro". "[O aeroporto] é do tamanho de uma cozinha, mas há que um lindo papagaio pintado na parede. Nenhuma grande nação vai jogar em Cuiabá. E depois dizem que o sorteio é aleatório". Já Curitiba é tratada como a "grande emoção pré-Mundial", com a dúvida até o último minuto sobre se o estádio estará ou não pronto a tempo...

O texto continua: "Nenhuma cidade-sede tem capacidade de entregar a tempo o trio de obras 'estádio + aeroportos + obras de mobilidade urbana'. No caso dos aeroportos, os processos de licitação das obras só foram lançados após as eleições de 2010. Quanto à mobilidade urbana... não se moderniza um país em seis meses, especialmente um país como o Brasil. E por mobilidade urbana entende-se os meios mais básicos de transporte: vias de acesso a locais turísticos, estradas, corredores de ônibus, metrô e trens urbanos etc. Logo, serão os seus pés os que farão a maior parte do trabalho."

De acordo com a reportagem, parte da culpa para que se tenha chegado à marca dos 100 dias para o início da Copa na situação em que se chegou é também da entidade que comanda o futebol mundial. "A Fifa, do seu lado, é prisioneira de um Brasil com quem ela briga/late/chicoteia a cada semana, como se tivesse tratando com uma criança, com um sentimento vago de que é tarde demais".

Sobrou até para o "jeitinho brasileiro": "Joseph Blatter, então, agora se mostra chocado: 'Nenhum país teve tanto tempo para se preparar quanto o Brasil', e ele está certo. Errado ele estava em 2007 [quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa], ao impor ao país um "padrão Fifa" que estava distante demais de sua realidade, e que culturalmente não sabe dizer não. Mas sabe dizer, porém, quando já tarde demais, "desculpe, mas teremos que fazer alguns arranjos".

A reportagem foi publicada no dia 3 de março. No dia seguinte, a revista publicou novo texto sobre o Brasil e a Copa, desta vez destacando as manifestações que varreram o país em junho do ano passado, durante a Copa das Confederações, apontando que o povo brasileiro está insatisfeito com o alto custo da preparação do país para a Copa, majoritariamente custeados pelos cofres públicos. Clique aqui e detone na íntegra


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Crime em lugar do Estado

E perguntou-lhe: -Qual é o seu nome?
-Meu nome é Legião, porque somos muitos – respondeu-lhe.
Marcus 5:9


ENQUANTO ESTA reporta­gem é escrita, desenrola -se no estado de São Pau­lo um ambicioso plano liderado pela cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC), com ob­jetivo de resgatar seu líder máximo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, da Penitenciária II de Presidente Ven­ceslau, distante 600 quilômetros da capi­tal paulista.

Relatório do setor de inteligência do Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Minis­tério Público de São Paulo, ao qual Carta-Capital teve acesso, mostra a arquitetura do plano e a audácia dos criminosos. Dois integrantes do PCC fizeram treinamen­to de pilotagem de helicópteros, vários sobrevoos já foram realizados para avaliar os detalhes da tomada do assalto da peni­tenciária, um imóvel foi alugado na cida­de vizinha de Porto Rico (PR) para servir como base de apoio à operação e uma pista de pouso foi mapeada para que um avião vindo do Paraguaia possa aterrissar.

A operação de resgate teria seu start com a visita de um advogado do grupo ao PII. Informados, Marcola e dois compa­nheiros aproveitariam o alvoroço causado pela ordem de uma rebelião para serrar as grades de suas celas e caminhar ate o pátio do presídio, de onde seriam içados por um dos helicópteros. Já resgatado, Marcola seria levado até o aeroporto de Loanda (PR) e de lá, partiria em um avião Cessna Aircraft modelo 510, pilotado por um integrante da facção, para o Paraguai.

Esta não é a primeira afrontado PCC às forças de segurança de São Paulo. O gru­po criminoso já matou um juiz, diretores de penitenciárias, inimigos, ameaçou as­sassinar o governador Geraldo Alckmin e promete parar a Copa do Mundo, caso seus líderes sejam enviados ao Regime Disci­plinar Diferenciado (RDD). Mais que ex­por o poderio e a coragem da facção, o pla­no de fuga suscita questionamentos sobre como o PCC deixou de ser uma gangue de presídio para, em menos de 20 anos, tor­nar-se uma organização criminosa pré-máfia. Retorna ao debate também, as­sim como em 2001 durante a megarrebelião e, em 2006, por conta dos ataques que pararam a capital paulista e diversas cidades do estado, o papel de Marcola, líder máximo do PCC.

Como um detento conseguiu criar um modelo de gestão/ideológica do crime organizado capaz de unir a massa carcerária paulista em torno do lema "Paz, Justiça, Liberdade e Igualdade" e regular as relações sociais dentro dos presídios enquanto lucra milhões com o tráfico de drogas? E vai além, porque a expansão exponencial para outros estados do país le­va um promotor, que há quase dez anos investiga o PCC, a cravar: "A tendência é acontecer o que aconteceu em São Paulo, uma hegemonia da facção em todos os es­tados da nação".

Até aqui, a história do PCC divide-se em três momentos. o primeiro começa cm 1993. No presídio de Taubaté, interior de São Paulo, dá-se a criação do bando cm resposta às péssimas condições do sistema penitenciário paulista e aos excessos de violência praticados pelas forças de se­gurança contra detentos.

Nesse período, a organização criminosa foi gerida por um modelo piramidal, no qual José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Ro­riz, o Cesinha, centralizavam todas as de­cisões e exerciam o cargo de "generais". No fim de 2002, o descontentamento dos in­tegrantes da facção com as regalias e o ex­cesso de violência dos "generais", catalisa­do pela briga entre as mulheres dos dois líderes (e que resultou no assassinato da en­tão esposa de Camacho, a advogada Ana Maria Olivatto), alçou Marcola ao poder.

Nesse momento, teve início a segunda fase do desenvolvimento do grupo, marca­da pelo início da implementação do siste­ma empresarial na organização crimino­sa, mas ainda de crescimento lento, devi­do aos ajustes no poder. Foi nesse período que Marcola descentralizou o comando, ao indicar apadrinhados para a formação da Sintonia Final Geral, a cúpula do PCC. Essa fase termina com os ataques de 2006.

Em maio daquele ano eleitoral, a cúpu­la da Segurança de São Paulo, informada sobre possíveis rebeliões e receosa do im­pacto delas na campanha do presidenciável GeraIdo Alckmin, decidiu recolher to­das as lideranças do PCC em um só presí­dio, em Presidente Venceslau. Em um só dia foram transferidos 765 presos. Além de de acabar com todas as investigações em andamento, uma vez que retirou todos os alvos de seu locais e cortou o acompanha­mento de comunicação feito pelas polícias Civil e Militar, Ministério Público e Policia Federal, a medida fez com que toda a cúpula fosse reunida no PII.

O objetivo das transferências, a quebra do comando e da articulação da facção, só seria pleno se, transferidos, os líderes fos­sem isolados e impossibilitados do acesso aos celulares. O que se viu foi o contrário. Com medo das proporções alcançadas pe­los ataques e rebeliões, o governo mandou uma comitiva para a PII, acompanhada de uma advogada da organização, para pedir que Marcola enviasse um sinal aos seus se­guidores, pedindo o fim dos ataques. Mar­cola diz não ter passado o sinal, mas con­firma a indicação de outro integrante para executar a missão.

Executada, acabaram-se os ataques e os líderes acomoda­ram-se na nova casa, sem punições ou sanções que pudessem mantê-los longe do co­mando da facção por muito tempo. Desse modo, o que restou à cúpula do PCC foi, de posse de celulares e na companhia dos "irmãos" da cúpula, traçar o plano de ação destinado a expandir os limites do grupo.

Dados do setor de inteligência do Ministério Público de São Paulo, primeira e única instituição a coloca no papel o tamanho, o modelo organiza­cional, métodos e números sobre o PCC, apontam para um resultado desastroso. Entre 2006 e 2010, o PCC consolidou-se e expandiu-se consideravelmente. Em São Paulo, de todas as 152 unidades prisionais, 137, ou "90% delas, foram dominadas pelos 6 mil membros da facção presos.

Do lado de fora outros 1,8 mil integrantes começa­ram apagar 650 reais como mensalidade e a comprar rifas de carros, apartamentos e casas. Somente com essa renda, 2 milhões de reais entraram nos cofres da organiza­ção criminosa mensalmente.

A fonte principal de arrecadação da fac­ção é o tráfico de drogas. Segundo o Mi­nistério Público, mesmo após três anos de combate à organização e denúncia contra 175 integrantes, ela continua a se expandir, aumentando o volume de faturamento e, hoje, lucra o dobro dos 8 milhões arreca­dados por mês, enquanto era acompanha­da pelos promotores, entre 2010 e 2013.

O lucro, de causar inveja aos grandes empresários paulistas, é resultado de uma gestão hierarquizada e extrema­mente organizada, subdividida em se­tores, chamados de Sintonia. Em última instância, encontra-se a SINTONIA. 

GLOSSÁRIO DO PCC [Modelo Operacional da facção]

SINTONIA FINAL GERAL - Cúpula da facção composta do líder máximo e sete apa­drinhados.
SINTONIA GERAL DE RUA - Integrantes selecionados pela cúpula e que exercem o papel de liderança máxima fora do sistema penitenciário.
SINTONIA DOS GRAVATAS - Setor responsável por contratar advogados.
SINTONIA DO FINANCEIRO - Setor onde são colocados integrantes de alta confiança, responsáveis por administrar e controlar as finanças.
SINTONIA DA AJUDA – Setor responsável por fornecer apoio financeiro aos integrantes presos ou em dificuldades e a familiares de integrantes que perderam a vida em decorrência da participação em "missões" ou atividades ilícitas por ordem da cúpula.
SINTONIA DOS ÔNIBUS - Setor responsável por alugar, fretar ou comprar ônibus para transporte dos familiares até os presídios.
SINTONIA DOS CIGARROS - Setor responsável pela compra de cigarros de outros países a revenda dentro das prisões.
SINTONIA DOS PÉS DE BORRACHA - Setor que controla os veículos adquiridos e pertencentes à facção, utilizados nas diversas práticas criminosas.
SINTONIA GERAL DO SISTEMA - Administra e organiza os integrantes presos
SINTONIA GERAL DO INTERIOR - Organiza e difunde a facção nas cidades e regiões do interior de São Paulo. Divide-se em áreas correspondentes aos DDDs de telefonia: Regiões 012, 014, 015, 016, 017, 018 e 019.
SINTONIA GERAL DOS OUTROS ESTADOS - Organiza e difunde a facção fora de São Paulo.
SINTONIA GERAL DOS OUTROS PAÍSES - Organiza e difunde a facção nas nações vizinhas, principalmente Paraguai e Bolívia, importantes fornecedores de drogas.
SINTONIA GERAL DA RUA - Com o objetivo de organizar e definir esferas de atribuições de todo o contingente em liberdade cm São Paulo.
SINTONIA GERAL - Criminoso ou grupo selecionado em um conjunto de bairros ou cidades vizinhas. Corresponde à segunda instância na tomada de decisões.
SINTONIA FINAL - Criminoso ou grupo selecionado em uma região (a capital e o interior formam sete regiões). Corresponde a terceira instância na tomada de decisões. Os Sintonias Finais devem reportar-se diretamente a cúpula, também denominada Sintonia Final da Final.
PROGRESSO - Tráfico de drogas, principal fonte de ronda.
PROGRESSO FM - Pontos de venda de drogas. Também chamados de "biqueiras" ou "lojas".
PROGRESSO 100% INTERNO - Setor que arrecada dinheiro com o tráfico de drogas comercializadas no interior das prisões.
DISCIPLINA - Criminoso ou grupo selecionado em um bairro ou cidade, com o objetivo de disseminar a ideologia Correspondo à primeira instância na tomada de decisões.
CEBOLA (CAIXINHA MENSAL) - Setor responsável por arrecadar a mensalidade dos integrantes do PCC soltos. Valor atual: R$ 650,00
BATE-BOLA – Método de comunicação entre integrantes presos e membros na rua. Normalmente são utilizados visitas ou advogados.
SALVE – Método utilizado para se comunicar com toda a facção. Apenas os líderes o usam e, quando disseminados, devem ser cumpridos à risca.
RIFA - Cada integrante do PCC tem o dever de comprar 20 números de rifa, ao custo de 30 reais cada número, além da mensalidade (cebola). Sorteiam se carros, apartamentos e casas.
MINERAL – Significa 1 milhão de Reais em espécie, armazenado sob os cuidados de um integrante de confiança da cúpula. Geralmente é enterrado e somente quem o enterrou sabe sua localização.

A reportagem completa - de Fábio Serapião - foi publicada na revista Carta Capital, de 5 de Março deste ano.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Indignemo-nos

Roberto de Sousa Salles, Reitor da Universidade Federal Fluminense, comunico que enviei para você nesta data, 7 de maio de 2012, por Sedex (código para rastreamento SI375026628BR), o meu diploma de Engenheiro Industrial Metalúrgico outorgado por essa universidade, anexado a carta no seguinte teor:

Anexado à presente, devolvo a essa universidade, aos seus cuidados, o meu diploma de Engenheiro Industrial Metalúrgico outorgado por essa universidade. Esse diploma foi motivo de grande orgulho para mim, desde quando o conquistei e recebi, até o dia 4 de maio de 2012, quando essa universidade, sub sua regência, outorgou o título de Doutor Honoris Causa a Luiz Inácio “Lula” da Silva.

Não aceito ser bacharel por uma universidade que, por um lado, é tão rigorosa ao selecionar e diplomar seus alunos e, por outro lado, outorga alegremente o título de Doutor Honoris Causa a um indivíduo que ao longo de toda a sua vida pública tem demonstrado reiteradamente profundo desprezo pela educação formal.

Sem levar em conta aspectos éticos e políticos da história desse indivíduo, entendo que qualquer reitor de qualquer universidade que outorgar a ele qualquer título honorífico estará debochando de todos aqueles que concorreram a vagas, cursaram faculdades e se diplomaram nessa universidade. A Universidade Federal Fluminense praticou, sob a sua regência, um ato de vassalagem voluntária que denigre a história da universidade e diminui o mérito de todos que nela conquistaram algum título respeitando a educação formal e se dedicando ao estudo e à aquisição de conhecimento.

A História mostra que muitas pessoas e até mesmo povos inteiros já foram submetidos a vassalagem involuntária. A História mostra também que muitos resistiram e lutaram bravamente contra essa vassalagem involuntária e, independentemente do sucesso ou do fracasso dessa luta, o simples fato de terem resistido e lutado os honra. A grande maioria se acomodou e isso não constitui uma desonra – apenas faz parte da natureza humana. A verdadeira desonra é a vassalagem voluntária – que caracteriza uma minoria que ainda não entendeu e não representa a verdadeira natureza humana.

Preste vassalagem em seu próprio nome. Não envolva a universidade e o seus corpos docente e discente passados, presentes e futuros nos seus atos de vassalagem. Se quer se dar ao desfrute de espojar diante de quem quer que seja, tenha a coragem de fazê-lo em seu próprio nome, sem arrastar no chão a toga da Universidade Federal Fluminense.

Receba, senhor Reitor, o meu profundo pesar e a mais plena reprovação por esse ato.

República Federativa do Brasil, 7 de maio de 2012

terça-feira, 25 de março de 2014

Joaquim Barbosa: Fora do eixo, por Ricardo Noblat

Quem o ministro Joaquim Barbosa pensa que é? Que poderes acredita dispor só por estar sentado na cadeira de presidente do Supremo Tribunal Federal? Imagina que o país lhe será grato para sempre pelo modo como procedeu no Caso do Mensalão?

Ora, se foi honesto e agiu orientado unicamente por sua consciência, nada mais fez do que deveria. A maioria dos brasileiros o admira por isso. Mas é só, ministro.

Em geral, admiração costuma ser um sentimento de vida curta. Apaga-se com a passagem do tempo.
Mas enquanto sobrevive não autoriza ninguém a tratar mal seus semelhantes, a debochar deles, a humilhá-los, a agir como se a efêmera superioridade que o cargo lhe confere não fosse de fato efêmera. E não decorresse tão somente do cargo que se ocupa por obra e graça do sistema de revezamento.

Joaquim preside a mais alta corte de justiça do país porque chegara sua hora de presidi-la. Porque antes dele outros dos atuais ministros a presidiram. E porque depois dele outros tantos a presidirão. O mandato é de dois anos. No momento em que uma estrela do mundo jurídico é nomeada ministro de tribunal superior, passa a ter suas virtudes e conhecimentos exaltados para muito além da conta. Ou do razoável. Compreensível, pois não.

Quem podendo se aproximar de um juiz e conquistar-lhe a simpatia, prefere se distanciar dele?
Por mais inocente que seja quem não receia ser alvo um dia de uma falsa acusação? Ao fim e ao cabo, quem não teme o que emana da autoridade da toga?

Joaquim faz questão de exercê-la na fronteira do autoritarismo. E por causa disso, vez por outra derrapa e ultrapassa a fronteira, provocando barulho.

Não é uma questão de maus modos. Ou da educação que o berço lhe negou, pois não lhe negou. No caso dele, tem a ver com o entendimento jurássico de que para fazer justiça não se pode fazer qualquer concessão à afabilidade.

Para entender melhor Joaquim acrescente-se a cor – sua cor. Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação. Joaquim é assim se lhe parece. Sua promoção a ministro do STF em nada serviu para suavizar-lhe a soberba. Pelo contrário.

Joaquim foi descoberto por um caça talentos de Lula, incumbido de caçar um jurista talentoso e... negro.

“Jurista é pessoa versada nas ciências jurídicas, com grande conhecimento de assuntos de direito”, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Falta a Joaquim “grande conhecimento de assuntos de direito”, atesta a opinião quase unânime de juristas de primeira linha que preferem não se identificar. Mas ele é negro.

Havia poucos negros que atendessem às exigências requeridas para vestir a toga de maior prestígio. E entre eles, disparado, Joaquim era o que tinha o melhor currículo.

Não entrou no STF enganado. E não se incomodou por ter entrado como entrou. Quando Lula bateu o martelo em torno do nome dele, falou meio de brincadeira, meio a sério: “Não vá sair por aí dizendo que deve sua promoção aos seus vastos conhecimentos. Você deve à sua cor”.

Joaquim não se sentiu ofendido. Orgulha-se de sua cor. E sentia-se apto a cumprir a nova função. Não faz um tipo ao destacar-se por sua independência. É um ministro independente. Ninguém ousa cabalar seu voto.

Que não perca a vida por excesso de elegância. (Esse perigo ele não corre.) Mas que também não ponha a perder tudo o que conseguiu até aqui.

Julgue e deixe os outros julgarem.